No Acre, o pastor Arnaldo Barros, de 56 anos, tem ganhado destaque por conduzir um projeto que busca resgatar homens e mulheres envolvidos com o crime organizado por meio da fé cristã. À frente da Igreja Geração Eleita, ele afirma já ter ajudado mais de 5 mil pessoas a deixarem facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC), o Comando Vermelho (CV) e o Bonde dos 13 (B13), organização criminosa local.
O projeto, denominado Paz no Acre, utiliza o contexto religioso como justificativa formal para que os envolvidos no tráfico deixem as facções. Em vídeos divulgados nas redes sociais, o pastor aparece ao lado de ex-membros das facções, participando de cerimônias que simbolizam o desligamento da vida criminosa.
“Quando chego para o cara e tiro ele do crime, ele me passa o número dos superiores dele, e eu mando o vídeo”, explicou o pastor Arnaldo.
Segundo o líder religioso, algumas facções reconhecem oficialmente o Evangelho como uma via legítima de saída, respeitando estatutos internos que autorizam a desfiliação de membros que passam a frequentar igrejas evangélicas. Ele destacou o exemplo do Bonde dos 13: “A saída é a igreja”, disse. Caso contrário, relatou, a alternativa frequentemente é a morte.
O contexto da criminalidade no estado é agravado por sua localização geográfica. O Acre faz fronteira com Bolívia e Peru, países usados como rota para o tráfico de drogas, o que contribui para a presença de facções rivais e o aumento da violência.
Relatos de ex-integrantes
Em vídeos recentes, Arnaldo aparece dirigindo um carro com dois ex-criminosos: um identificado como ex-membro do PCC, vulgo CFK, e outro ex-integrante do CV, conhecido como Tubarãozinho. No trajeto, o grupo vai até uma casa buscar um rapaz com tornozeleira eletrônica que, segundo o pastor, havia sido baleado várias vezes e era membro do B13.
Ao chegar, o rapaz mostra cicatrizes no peito e nas pernas. “Ele ficou deficiente da perna”, afirma Arnaldo. O jovem, por sua vez, declara que pretende cuidar da saúde e do filho, e que “vai estar congregando na igreja”.
O pastor também compartilhou o testemunho de um homem que deixou o B13 após atuar por anos com falsificação de dinheiro e tráfico de drogas. Segundo ele, após passar uma década preso, teve a vida transformada ao conhecer a mensagem do Evangelho.
Em outro caso, uma mulher identificada como Antonia, de 36 anos, contou: “Em 2020, conheci a Palavra de Deus e resolvi me render aos pés Dele para largar toda a minha vida errada de prostituição, de engano. Tudo aquilo que eu fazia errado deixei para trás”. Segundo ela, sua vida foi restaurada, e ela constituiu uma família. “Deus tem derramado bênção transbordante sobre a minha vida”, afirmou.
Rodrigo, de 24 anos, também relatou sua saída do Comando Vermelho. Conhecido pelo apelido Carioca, ele ingressou no crime aos 14 anos. “Queria ter um celular, uma camisa de marca, um tênis da Nike também, e eu não podia porque não tinha condições”, disse.
Ele passou a vender cocaína, crack e skank, e destacou que, por não ser usuário, era mais eficiente. Em 2017, assumiu a posição de gerente de uma “boca de fumo” e foi recrutado para um grupo de extermínio. “Era um clima de guerra muito sinistro. A gente não podia dormir com medo de ser encontrado e morto”, relatou.
A igreja como porta de saída
A presença da igreja evangélica como caminho de restauração tem sido analisada por especialistas em segurança pública. Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro A Fé e o Fuzil – Crime e Religião no Brasil do Século XXI, declarou que o cristianismo tem se tornado “a única porta de saída” para muitos envolvidos no tráfico.
Segundo Manso, ao envelhecer no crime, é comum que esses indivíduos passem a refletir sobre a trajetória vivida. “Você abandona seus laços afetivos mais importantes — esposa, filhos, irmãos, mãe — para viver na correria, numa trajetória sofrida e vazia”, afirmou, segundo informações da Folha de S. Paulo.
O pesquisador explicou ainda que a opção pela fé costuma ser respeitada inclusive por lideranças do tráfico, especialmente nas periferias urbanas, onde a presença de igrejas evangélicas é forte.
O projeto conduzido por Arnaldo Barros continua em atividade e, segundo ele, tem crescido com o apoio de pastores e ex-integrantes de facções que agora atuam como evangelistas. Embora enfrente desafios relacionados à segurança e ao contexto violento da região, o pastor afirma que sua missão é clara: oferecer uma nova chance de vida por meio da fé.