Um complexo pertencente à Igreja Pentecostal do Sudão (SPC) foi demolido por autoridades sudanesas no distrito de El-Haj Yousif, em Cartum Norte, na tarde de 8 de julho, em mais um aparente episódio de perseguição religiosa contra os cristãos.
Fontes locais relataram à mídia que escavadeiras e caminhões, acompanhados por policiais e militares, chegaram ao local por volta do meio-dia sem aviso prévio e iniciaram a destruição do prédio, que abrigava um salão de culto e escritórios administrativos.
Segundo a organização Christian Solidarity Worldwide (CSW), o complexo foi construído no início da década de 1990. Testemunhas descreveram a ação como “chocante”. Fontes indicaram que as autoridades não apresentaram justificativa inicial para a demolição, nem solicitaram documentos de propriedade antes do ato, o que reforça a tese de perseguição religiosa.
Justificativa
Posteriormente, conforme informação repassada à organização Portas Abertas, autoridades teriam informado representantes da igreja que a demolição integrava uma iniciativa de remoção de construções “não regulamentadas” no estado de Cartum.
A ação ocorre após as Forças Armadas Sudanesas (SAF) declararem, em maio de 2025, o controle de Cartum sobre as Forças de Apoio Rápido (RSF), embora confrontos persistam em Omdurman, cidade vizinha. Ambos os grupos armados têm sido acusados de atacar locais de culto desde o início do conflito, em 15 de abril de 2023.
Reações e Alerta Prévio:
Líderes cristãos condenaram o ato de perseguição. Rafat Samir, presidente do Conselho da Comunidade Evangélica do Sudão, havia alertado previamente sobre o risco crescente. Após um incidente similar semanas antes, ele declarou à Portas Abertas: “
‘Eles atacarão todas as igrejas nas áreas periféricas das principais cidades e as demolirão com um ataque direto. Quanto às grandes igrejas nos centros das cidades, eles as atacarão usando outros motivos aparentemente legais para destruir os prédios das igrejas’”. O pastor Juma Sapana apelou em sua página no Facebook: “Pedimos a todos os cristãos que orem para que isso nos fortaleça nesta perseguição e orem pela igreja no Sudão”.
Contexto geral
Classificação Internacional: O Sudão ocupa a 5ª posição na Lista Mundial da Perseguição 2025 da Portas Abertas, que avalia os 50 países onde é mais difícil ser cristão, subindo três posições em relação a 2024.
Impacto da Guerra Civil: O relatório da Portas Abertas detalha o agravamento das condições desde o início do conflito em abril de 2023: aumento de cristãos mortos, vítimas de violência sexual, e ataques a residências e negócios pertencentes a cristãos. “Cristãos de todas as origens estão presos no caos, sem condições de escapar. Igrejas são bombardeadas, saqueadas e ocupadas pelas partes em conflito”, afirma o documento.
Disputa Político-Militar: O conflito opõe as SAF, lideradas pelo general Abdelfattah al-Burhan, às RSF, comandadas por Mohamed Hamdan Dagalo (“Hemedti”). Ambos grupos compartilhavam o poder após o golpe de outubro de 2021, que interrompeu uma transição democrática. A desavença sobre o cronograma de integração da RSF ao exército regular (2 anos versus 10 anos) foi um dos estopins do conflito. Ambos líderes têm raízes islâmicas e buscam se apresentar internacionalmente como defensores da democracia e liberdade religiosa.
Retrocesso na Liberdade Religiosa: Após a queda do regime de Omar al-Bashir em 2019, o governo de transição civil-militar revogou leis de apostasia (que puniam com morte a conversão do Islão) e proibiu a rotulação de grupos como “infiéis”. O golpe militar de outubro de 2021 reacendeu temores de retorno de leis islâmicas repressivas. O Departamento de Estado dos EUA removeu o Sudão da lista de Países de Preocupação Particular (CPC) em 2019, elevando-o à Lista de Observação Especial, da qual foi removido em dezembro de 2020.
Estima-se que o Sudão tenha cerca de 2 milhões de cristãos, representando aproximadamente 4,5% de sua população total de mais de 43 milhões de habitantes. O conflito que também envolve perseguição religiosa já deslocou mais de 11,9 milhões de pessoas dentro e fora do país, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).