Foi instalada nesta semana no Senado Federal uma comissão temporária destinada a analisar o projeto do novo Código Civil, de autoria do então presidente da Casa, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A proposta contém alterações em regras que regulam instituições centrais da vida privada, como casamento, união estável, filiação e direito sucessório, impactando diretamente no conceito tradicional de família.
A Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), presidida pela jurista Regina Beatriz Tavares da Silva, emitiu um parecer técnico detalhando pontos que, em sua avaliação, podem gerar insegurança jurídica. O documento da entidade elenca itens considerados críticos.
Principais Pontos em Discussão
Entre as modificações previstas está a instituição de um novo estado civil, o “convivente”, para pessoas registradas em união estável. Atualmente, os estados civis reconhecidos são solteiro, casado, divorciado e viúvo.
O projeto também introduz o conceito de “família parental”, que pode englobar parentes que coabitam, impondo deveres de sustento entre si. A ADFAS manifesta preocupação de que a definição, em sua redação atual, possa criar confusões legais.
Outra alteração permite o reconhecimento de filiação socioafetiva diretamente em cartório, sem intervenção judicial. A medida possibilitaria a multiparentalidade em registros civis. A ADFAS alerta que isso poderia, em tese, levar ao registro de filhos por parte de arranjos com mais de dois adultos, como em um “trisal”.
Em casos de reprodução assistida, a proposta assegura o sigilo do doador de material genético, o que, para a associação, restringe o direito da pessoa de conhecer sua origem biológica.
A proposta ainda admite a possibilidade de que heranças, via testamento, sejam destinadas a “amantes”.
Crítica ao Fundamentação na Afetividade
Uma das objeções centrais da ADFAS refere-se à utilização do afeto como base para a definição de entidade familiar. A entidade sustenta que “o Direito de Família não pode se perder em um ‘mar de afetos’”.
Em seu documento, a associação argumenta que a fundamentação excessiva em sentimentos subjetivos pode permitir que relações como namoro ou amizade pleiteiem status de família, com todos os efeitos legais decorrentes, como pensão alimentícia e partilha de bens. De modo inverso, a ausência de afeto poderia ser invocada para dissolver vínculos legalmente protegidos, como o dever de sustento dos pais.
A ADFAS conclui que “devem ser mantidas as fronteiras entre o amor e a lei, porque exceções somente confirmam a regra: ‘O amor não pode ser o novo deus laico’”.
Impactos Práticos das Alterações Propostas
Sobre o novo estado civil de “convivente”, a ADFAS classifica a medida como “um erro crasso”. A entidade explica que o estado civil é um atributo baseado em atos formais, como o casamento ou seu fim. A mudança poderia manter o rótulo válido mesmo após o fim da união, o que, na prática, poderia acarretar obrigações indevidas até a comprovação judicial da separação.
A transformação de união estável em casamento diretamente em cartório, sem processo judicial, é outro ponto destacado. Para a associação, isso aproxima excessivamente os dois institutos, que possuem naturezas jurídicas distintas.
Quanto ao reconhecimento de filiação socioafetiva e à adoção de maiores de idade em cartório, a ADFAS defende que tais procedimentos devem manter a supervisão do Poder Judiciário para evitar inseguranças, informou a Gazeta do Povo.
Sobre a “família parental”, a entidade propõe a inserção de travas legais claras para que o conceito não se torne excessivamente fluido, sugerindo a exigência de escritura pública e chancela judicial para seu reconhecimento.
Tramitação
A comissão temporária designada para analisar a matéria terá um prazo de oito meses para concluir seus trabalhos. Após essa etapa, o projeto ainda precisará passar por outras comissões do Senado, pelo Plenário da Casa e, subsequentemente, seguir para a análise da Câmara dos Deputados.