LAHORE, Paquistão — Um cristão cego de 49 anos, identificado como Nadeem Masih, foi preso e acusado de blasfêmia, crime punível com pena de morte no Paquistão, após ser denunciado por um muçulmano que o acusou de insultar o profeta Maomé, informou sua mãe, Martha Yousaf.
Martha, de quase 80 anos, relatou que o acusador, Waqas Mazhar, e outros homens muçulmanos frequentemente assediavam e extorquiam seu filho, que é deficiente visual: “Às vezes, visitantes bondosos também lhe davam dinheiro por compaixão, mas os funcionários muçulmanos do parque costumavam roubar o dinheiro do bolso dele”, afirmou.
Mazhar trabalha no Model Town Park, em Lahore, como funcionário de estacionamento, onde Masih obtinha uma renda modesta pesando mercadorias para pequenos comerciantes. Segundo a mãe, alguns desses funcionários também tomaram empréstimos com ele e recusaram-se a devolver o dinheiro, mesmo após pedidos insistentes.
A prisão e as agressões
Em 21 de agosto, quando Nadeem chegou para trabalhar, Mazhar e outros homens impediram-no de montar sua barraca. “Quando Masih protestou contra o assédio, Mazhar e outro homem o agrediram, o obrigaram a subir em uma motocicleta e o levaram à delegacia de polícia de Model Town”, relatou Yousaf. Lá, os homens o acusaram de blasfêmia, e a polícia o indiciou com base no Artigo 295-C do Código Penal paquistanês, que prevê pena de morte para quem insultar o profeta islâmico.
“Quando encontrei meu filho pela primeira vez na prisão, ele chorou amargamente ao me contar como a polícia o espancou impiedosamente e o forçou a confessar a falsa acusação”, disse Martha. “Toda vez que o visito, meu coração se aperta ao ouvir o quanto ele é maltratado, especialmente quando é levado ao tribunal. Eles o maltratam mesmo sabendo que ele é completamente cego e tem uma haste de ferro na perna direita”.
Yousaf, que já perdeu outro filho, implorou por justiça: “Somos muito pobres e mal conseguimos sobreviver. O pai de Masih faleceu, e uma das minhas filhas, que é divorciada, trabalha em casas de família para nos ajudar. Todos os dias peço a Deus que livre meu filho dessa falsa acusação e o traga de volta para mim”.
Inconsistências no processo
O advogado de defesa, Javed Sahotra, afirmou que há discrepâncias significativas no boletim de ocorrência que podem sustentar um pedido de libertação sob fiança. O subinspetor Muhammad Ayub, responsável pelo caso, alegou que a polícia patrulhava o parque às 23h, quando foi informada da suposta blasfêmia. “No entanto, o parque fecha às 21h, e ninguém tem permissão para entrar depois disso”, explicou Sahotra.
O advogado também informou que Masih ligou para a linha direta da polícia às 6h da manhã para denunciar os maus-tratos sofridos por Mazhar e outros funcionários, mas não recebeu ajuda. Ele solicitou ao superintendente de polícia o registro de chamadas do subinspetor Ayub para comprovar sua localização no horário do suposto crime. “Se o tribunal de primeira instância não conceder fiança, recorreremos ao Tribunal Superior de Lahore”, afirmou.
Sahotra confirmou que o acusado foi torturado sob custódia policial. “É lamentável que uma pessoa cega tenha sido submetida a um tratamento tão desumano”, declarou. “Esperamos que o governo e as autoridades superiores tomem medidas disciplinares contra os agentes envolvidos”.
Direitos humanos
Naeem Yousaf, diretor executivo da Comissão Nacional para a Justiça e a Paz (NCJP) — órgão vinculado à Igreja Católica —, condenou a prisão. “Masih perseverou todos esses anos, apesar das atitudes cruéis que negam às pessoas com deficiência a própria dignidade humana. Já sobrecarregado pela pobreza e pela cegueira, agora sofre ainda mais atrás das grades, vítima da injustiça e da indiferença humana”, disse, de acordo com o The Christian Post.
A organização Human Rights Watch (HRW) também denunciou o uso sistemático das leis de blasfêmia no Paquistão como instrumento de perseguição e chantagem. Em relatório de 9 de junho, intitulado “Uma Conspiração para Apropriar-se da Terra: Explorando as Leis de Blasfêmia do Paquistão para Chantagem e Lucro”, a HRW destacou que essas acusações são frequentemente usadas para atacar minorias religiosas, confiscar propriedades e resolver disputas pessoais ou comerciais.
Segundo o documento, o sistema judicial paquistanês raramente responsabiliza os autores da violência coletiva, e a polícia frequentemente falha em proteger os acusados ou investigar as denúncias. Em alguns casos, até mesmo agentes que tentam intervir sofrem ameaças, enquanto líderes religiosos e políticos acusados de incitar ataques escapam impunes por falta de ação do Estado.
Contexto da perseguição
O Paquistão ocupa o 8º lugar na Lista Mundial de Vigilância 2025, elaborada pela organização Portas Abertas, que classifica os 50 países onde cristãos enfrentam maior perseguição e discriminação. As leis de blasfêmia, amplas e de aplicação arbitrária, continuam sendo um dos principais instrumentos de repressão contra minorias religiosas e grupos vulneráveis no país.
O caso de Nadeem Masih reforça, segundo observadores internacionais, o uso recorrente da legislação para criminalizar cristãos e pessoas marginalizadas, em um contexto onde a intolerância e a impunidade continuam a comprometer os direitos humanos e a liberdade religiosa no Paquistão.









































