O roteirista e diretor Lotfy Nathan afirma querer que o público veja Segredos do Deserto como um experimento artístico ousado, um “thriller sobrenatural” que explora os anos não registrados da juventude de Jesus.
Contudo, para a maior parte dos espectadores cristãos, o filme tende a ser percebido não como audacioso, mas como profundamente perturbador. A produção, estrelada por Nicolas Cage como José, FKA Twigs como Maria e Noah Jupe como um Jesus adolescente, reimagina a adolescência de Cristo como uma batalha psicológica e espiritual entre o bem e o mal.
O longa começa com soldados de Herodes queimando bebês em Belém numa tentativa de eliminar o recém-nascido Cristo. A Sagrada Família foge para o exílio, escapando das patrulhas romanas e enfrentando forças visíveis e invisíveis, até se estabelecer em uma aldeia remota no Egito.
Inspirado no Evangelho da Infância de Tomé — texto apócrifo rejeitado pela Igreja há séculos —, Nathan inclui cenas em que Jesus mata uma criança, ressuscita insetos e olha lascivamente para uma mulher nua antes de ser tentado por “A Estranha” (Isla Johnston), um demônio na forma de adolescente. Filmado na Grécia, o longa retrata os “anos perdidos” de Jesus em um tom sombrio e inquietante, recebendo elogios pela fotografia atmosférica e pela atuação intensa de Cage. No entanto, para os cristãos que consideram a impecabilidade de Jesus essencial à fé, a obra soa blasfema.
Nathan, cineasta britânico-americano nascido no Egito, reconheceu a controvérsia e disse compreender a curiosidade em torno de suas motivações. “Eles perguntam: ‘Existe algum tipo de agenda oculta?’ Mas com aqueles que assistiram ao filme, a conversa é mais matizada”, declarou.
O diretor relatou que a ideia surgiu após descobrir o Evangelho da Infância de Tomé, texto que apresenta o menino Jesus realizando milagres e atos de violência. “Eu consigo entender por que não é canônico”, afirmou. “É bem brutal, bem pesado.” Ainda assim, ele viu na obra um terreno fértil para exploração artística. “Não havia visto nenhum filme que abordasse a cronologia perdida do Novo Testamento. Essa era a época em que Jesus vivia sob anonimato, como filho de um carpinteiro”, explicou.
Em Segredos do Deserto, Nathan retrata um Messias adolescente que é humanamente vulnerável e moralmente ambíguo. “Existe um amplo espectro no cristianismo”, disse o diretor. “Minha família, como copta ortodoxa, certamente rejeitaria uma história que apresentasse Jesus com vulnerabilidade humana.” Para ele, no entanto, o objetivo não é provocar, mas explorar a vulnerabilidade humana no divino.
“Fiquei fascinado e me arrisquei ao pensar: ‘E se Jesus e Satanás tivessem se encontrado antes da tentação no deserto?’ Isso me interessou. Também me atraiu fazer um filme bíblico que alcançasse mais pessoas, ainda que com uma narrativa desafiadora”, declarou. Segundo Nathan, o processo foi “uma dança entre reverência e risco”.
A abordagem subverte a cristologia tradicional. Nos Evangelhos, Jesus é descrito como “sem pecado”; em Segredos do Deserto, ele é mostrado como confuso e tentado pelas trevas. Nathan contou que trabalhou com Katell Bethelot, acadêmica francesa especialista em judaísmo antigo, e defendeu que o horror faz parte do imaginário bíblico. “Se você olhar para a Bíblia objetivamente, esse seria o gênero. Está implícito”, argumentou.
Ele citou episódios do Antigo Testamento — pragas, julgamentos, assassinatos e manifestações demoníacas — como exemplos da tensão entre fé e medo. “Há resistência em ver dessa forma porque parece anti-higiênico. Mas isso é parte da beleza — algo tátil e vibrante, não polido e limpo”, disse.
Segredos do Deserto se soma à tradição de filmes que reinterpretam a figura de Cristo, como A Última Tentação de Cristo, de Martin Scorsese, e A Paixão de Cristo, de Mel Gibson. Segundo críticos, o problema do longa de Nathan não está nas perguntas que faz, mas nas respostas que oferece, retratando Jesus como pecador.
Nathan descreve sua obra como uma reflexão sobre a condição humana, admitindo que cristãos devotos não a aceitarão. “A simples representação de Jesus como alguém com vulnerabilidade humana já é inaceitável para muitos. Não é permitido”, afirmou. “Não tento convencer ninguém. Para mim, é interessante e me faz sentir mais próximo da história — perceber que Jesus sofreu de outras formas além do físico.”
Apesar das críticas, o diretor espera que o filme alcance “um público religioso interessado na arte e na inspiração que ela oferece à narrativa bíblica”. Ele comparou sua abordagem à dramaticidade da Capela Sistina, dizendo: “Mostrar o lado sombrio é o que define o triunfo e o bem.”
Nathan rejeita a ideia de que a produção tenha sido marcada por “guerras espirituais”, apesar de relatos de que Nicolas Cage foi atacado por insetos no set. “Eu estava receoso ao entrar nesse projeto, mas só queria fazer tudo certo, pelo menos na minha opinião”, afirmou.
Para o cineasta, Segredos do Deserto reflete uma mudança cultural em Hollywood: Jesus continua a fascinar, mas cada vez mais como personagem reinterpretado, não reverenciado. Ainda assim, Nathan disse ter se sentido espiritualmente transformado pelo processo.
“De uma forma bizarra, ao escrever o roteiro, tive que escrever também para o diabo, porque o objetivo era caracterizar todos os personagens o máximo possível”, relatou. “No final, percebi que há uma visão sombria da humanidade que todos sentimos às vezes. Mas existem também as virtudes do perdão e do otimismo — e foi isso que absorvi. O reconhecimento do mal, mas a escolha de seguir em direção ao bem”.
De acordo com o The Christian Post, ele concluiu dizendo que o trabalho o levou a reler as Escrituras: “Eu me afastei da fé ao longo dos anos, mas este filme, de certa forma, me trouxe de volta e me fez acreditar novamente na história”.









































