Um debate recente entre os pastores Anderson Silva e Rodrigo Mocellin, divulgado em vídeos nas redes sociais, expôs de forma direta algumas das principais tensões teológicas entre evangélicos e católicos no Brasil.
Ao longo das falas, os dois líderes discutem a autoridade da Igreja Católica, a veneração a Maria e aos santos, a definição de idolatria e quem pode ser considerado “irmão na fé”.
Em um de seus vídeos, Anderson Silva criticou o que chamou de “arrogância protestante” ao negar que católicos sejam cristãos. Ele relacionou essa crítica ao papel da Igreja Católica na preservação de lugares históricos ligados à fé cristã em Israel.
“Se a Igreja Católica não fosse historicamente, sociologicamente, a Igreja verdadeira, possuindo autoridade pública pra se expressar, os locais sagrados em Israel não existiriam, porque os judeus não as preservariam”, afirmou. Segundo ele, “caravanas protestantes, evangélicas, saem de suas nações, do Brasil, milhares e milhares, anualmente, lideradas por inúmeros pastores que pregam contra o catolicismo, viajam pra cá pra visitar os lugares históricos, bíblicos, preservados por quem? A Igreja Católica”.
Rodrigo Mocellin respondeu que esse tipo de raciocínio, em sua avaliação, não define qual seria a “Igreja verdadeira”. Para ele, a fidelidade e a identidade cristã não se medem pela preservação de espaços físicos, mas pela preservação da doutrina bíblica. “Jesus nunca disse que conheceríamos quem é irmão ou não, quem é a Igreja verdadeira, por preservar lugares físicos, mas sim por preservar a Palavra de Deus”, declarou.
Mocellin também argumentou que diversas tradições religiosas atuam na proteção de locais considerados sagrados em Israel, citando católicos, ortodoxos, anglicanos e muçulmanos. A partir disso, questionou a conclusão de que a preservação de monumentos, por si só, comprove a veracidade de uma confissão de fé.
Maria e a idolatria
Outro ponto central do debate foi a compreensão sobre Maria e os santos. Anderson Silva defendeu a posição católica segundo a qual católicos não adoram imagens ou ídolos, mas veneram pessoas que, segundo a fé cristã histórica, já estão na presença de Deus.
“Maria é a pessoa. É porque ela não está morta, está viva. Os santos de Deus estão vivos. Por isso o verdadeiro católico não adora ídolo, porque ídolo é aquilo que está morto, é um falso Deus. Se veneram santos. E os santos não estão mortos, eles estão vivos. Maria, nossa mãe, mãe dos fiéis, está viva. É a pessoa mais santa que já existiu”, afirmou. Ele também rejeitou a ideia de que Maria seria apenas um “instrumento passivo” na encarnação de Jesus, dizendo que ela “não é barriga de aluguel de Jesus”.
Mocellin contestou esse enquadramento teológico. Primeiro, questionou a afirmação de que Maria seria “a pessoa mais santa que já existiu”, citando passagens bíblicas em que Jesus relativiza vínculos familiares em comparação com a obediência à sua palavra, e o trecho em que João Batista é destacado como o “maior entre os nascidos de mulher”. Em seguida, abordou a questão da intercessão dos santos.
O pastor citou textos do Antigo Testamento que proíbem a consulta aos mortos e argumentou que, historicamente, quem buscava esse tipo de prática acreditava que os mortos continuavam existindo espiritualmente. “A Bíblia diz, sim, consultar pessoa morta. E a morte é morta fisicamente, obviamente. É pecado”, afirmou, defendendo que essa proibição não faz distinção entre pessoas consideradas “santas” ou não.
Para Mocellin, o núcleo da idolatria não está apenas em dirigir orações a algo “morto” ou material, mas em atribuir a qualquer criatura funções ou atributos que o Novo Testamento reserva a Deus ou a Cristo. Ele citou, como exemplos, títulos como “medianeira de todas as graças” e a prática de orações a Maria em diferentes lugares ao mesmo tempo, o que, em sua análise, pressuporia características como onipresença e onisciência. “Quando católicos fazem orações à Maria, espalhados por todo o mundo, eles precisam supor que Maria é onipresente e onisciente”, afirmou, classificando essa prática como incompatível com a doutrina bíblica de um único mediador entre Deus e os homens.
Quem é “irmão na fé”?
O debate também abordou a forma como católicos e evangélicos se veem entre si. Anderson Silva questionou a postura de parte do meio evangélico que, segundo ele, nega a salvação de católicos enquanto convive com divisões internas significativas.
“O católico acredita, vive e professa uma única igreja. Una, santa, católica, no sentido universal da palavra, e apostólica. O protestante diz que o católico não é salvo, não é um irmão, não é um cristão. E o evangélico protestante tem 33 mil denominações, congregações, facções, divisões e seitas. E acham, nós arrogantemente achamos, que estamos certos, que o céu é nosso”, declarou.
Mocellin respondeu que, do ponto de vista evangélico, as diferenças entre denominações dizem respeito, em grande parte, a pontos considerados secundários, enquanto haveria unidade em doutrinas centrais, como a pessoa de Cristo e a salvação pela fé. Segundo ele, o critério que muitos pastores usam para identificar uma seita no contexto protestante — a negação de verdades consideradas essenciais — é o mesmo pelo qual entendem que a Igreja Católica se afasta do núcleo da fé cristã histórica.
Ele citou passagens do Novo Testamento que vinculam a comunhão cristã à confissão de doutrinas específicas, como a encarnação de Cristo e a justificação pela fé. Em sua leitura, quando alguém condiciona a salvação ao cumprimento de obras ou a doutrinas como o purgatório, afasta-se do ensino que os reformadores entenderam como central: “o homem é salvo exclusivamente pela fé, não por obras”. A partir desse raciocínio, Mocellin afirma que, para muitos evangélicos, a discordância com o catolicismo não é apenas periférica, mas de natureza fundamental.
O “bom combate”

Na parte final dos vídeos, Anderson Silva avaliou criticamente o que descreveu como uma “teologia de guerra” no ambiente protestante. Ele afirmou que, ao longo de sua trajetória, viveu mais na lógica da disputa doutrinária do que na contemplação.
“Eu mais servi a Deus no barulho, no combate, do que no silêncio na contemplação”, disse. Declarou estar em busca, agora, de uma fé centrada na pessoa de Jesus, com menos foco em debates públicos: “Eu não quero vencer debate nenhum, eu não quero me impor a ninguém e eu não quero te convencer de nada. Tem momentos que a apologética funciona, mas Jesus Cristo ensinou que a maior apologética é a testemunhal”, afirmou, dizendo estar em um processo de redescoberta espiritual.
Mocellin, por sua vez, argumentou que a defesa pública de doutrinas faz parte da história da igreja cristã e não é incompatível com o amor ao próximo. Ele citou o apóstolo Paulo e outros textos do Novo Testamento como exemplos de confrontos com ensinamentos considerados falsos: “Creio que a gente pode combater o bom combate. Jesus veio trazer divisão. A igreja sempre lutou pela verdade”, afirmou. Para ele, “ser amoroso não é não combater, é combater de modo íntegro”.
Segundo o pastor, permanecer em silêncio diante de questões que considera centrais — como a natureza da salvação, o papel de Maria e a relação entre tradição e Escritura — significaria permitir que “a verdade fosse sufocada”.






































