Quando Martinho Lutero afixou as suas “95 Teses” na porta da igreja de Wittenberg (Alemanha), em 31 de outubro de 1517, provavelmente ele nunca imaginou o alcance que seu gesto teria. Hoje, 508 anos depois, o cristianismo mundial tem cerca de 2,645 bilhões de fiéis, sendo que, desse total, 42% são protestantes, algo em torno de 1,1 bilhão, segundo o Relatório do Centro para o Estudo do Cristianismo Global 2025. São mais de 50 mil denominações, nas mais diversas culturas.
No Brasil não é diferente. O primeiro contato do protestantismo em solo nacional ocorreu com os holandeses calvinistas que ocuparam parte do Nordeste, entre 1630 e 1654. A partir de 1808, com a chegada da Família Real portuguesa ao país, houve mais abertura religiosa. Os presbiterianos chegaram por volta de 1859, com missionários escoceses e norte-americanos. Já os missionários britânicos e americanos fundaram a primeira igreja batista organizada no Brasil em 1881, no Rio de Janeiro.
Atualmente, 47,4 milhões de brasileiros se declaram protestantes no país, segundo o Censo de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Eles estão espalhados em mais de 109 mil igrejas, entre protestantes tradicionais e as várias vertentes evangélicas, conforme uma pesquisa do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), ligado à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
É importante ressaltar que “Protestante” é um termo histórico-teológico que refere-se às igrejas e tradições cristãs que surgiram a partir da Reforma Protestante, que “protestaram” contra aspectos da Igreja Católica Romana e afirmaram princípios como “somente a fé” (sola fide), “somente a Escritura” (sola scriptura).
Já o “Evangélico” é um subtipo dentro do protestantismo (embora o termo seja usado de formas diferentes dependendo do contexto) – geralmente refere-se a cristãos protestantes que enfatizam: a necessidade de conversão pessoal (“nascer de novo”), a autoridade da Bíblia, a proclamação do evangelho (“evangelização”), e muitas vezes uma ênfase missionária ou de renovação espiritual.
Reforma foi crucial para a história cristã
Para o pastor presbiteriano Hernandes Dias Lopes, a Reforma Protestante foi crucial na história cristã por vários aspectos. “Primeiramente, do ponto de vista religioso, com o retorno às escrituras, à doutrina apostólica, à pureza e simplicidade do evangelho, trazendo a igreja de volta ao centro que é Cristo Jesus”, explica.
Outros pontos importantes apontados pelo pastor são a criação das “5 Solas” da reforma (Sola Scriptura, Sola Fide, Sola Gratia, Solus Christus, Soli Deo Gloria) e as mudanças que elas proporcionaram. “A reforma foi fundamental do ponto de vista da educação, econômico, social, político, acadêmico e científico. Ela tratou de todas essas áreas e poderíamos dizer que há um divisor de águas na história da humanidade antes e depois da reforma”, enfatiza Lopes.
Por outro lado, Hernandes Dias Lopes acredita que a reforma foi o pontapé inicial, mas não um fim em si mesma, visto que a igreja deve continuar avançando em uma geração cada vez mais moderna e digital.
“A igreja precisa avaliar a si mesma no que tange a sua teologia e a sua ética para voltar sempre às Escrituras. Que nunca se desvie da doutrina e mantenha o fervor. A igreja sempre precisa de reforma e reavivamento. Essa é a grande necessidade da igreja contemporânea”, afirma Lopes.
Sobre o futuro do protestantismo, o pastor diz que a igreja deve estar em alerta sobre as novas ameaças do mundo moderno. “A igreja precisa se preparar para o futuro, mantendo a pregação das verdades absolutas no mundo rendido à ditadura do relativismo, não se rendendo nem ao liberalismo teológico, nem ao sincretismo religioso”, alerta Lopes.
Igrejas devem voltar ao primeiro amor
Para o pastor Jorge Linhares, líder da Igreja Batista Getsêmani em Belo Horizonte (MG), um dos grandes desafios hoje é exatamente ter uma igreja que viva dentro da Palavra de Deus e não apenas abra mais uma porta visando lucros e espetáculos.
“Uma igreja não se abre, tem que nascer no coração de Deus. Lutero nunca quis começar uma nova igreja. Por isso o nome ‘reforma’, ou seja, vamos reformar a que tem, voltar às raízes, estabelecer aquilo que Deus estabeleceu como princípio. É tirar o achismo, o comodismo e a satisfação pessoal e divulgar essa posse da graça de Deus, da ação completa de Cristo, da fé e do valor da igreja como uma instituição sagrada, fundada por Cristo e não um negócio para se enriquecer, ganhar dinheiro”, afirma.
O pastor ressalta que, se Lutero vivesse hoje, ele certamente condenaria a vulgarização da graça. “Eu peco e sou perdoado. Brinco, sou perdoado. Sou salvo, então posso viver no pecado, não preciso de compromisso com Deus”, critica. Por outro lado, Linhares destaca a importância da Reforma Protestante para o cristianismo e a sociedade de um modo geral.
“Nós não precisamos mais nos acovardar diante da mentira, pois ela tem que ser enfrentada, não pode ser engolida. O que Lutero fez foi protestar contra a impureza da igreja, contra a lascívia, o pecado, o abuso do sacerdócio. Então, ele tomou uma posição e isso desperta em nós uma ação desafiadora como a dele, e que deve ser copiada quando vemos aquilo que não é de acordo com a palavra de Deus”, justifica.
No entanto, para chegar a esse nível de comprometimento com Deus, Jorge Linhares diz que é fundamental a igreja voltar ao estudo da Palavra e ter uma vida diária de comunhão. “É as pessoas irem aos cultos para adorar a Deus, sabendo que ali haverá uma palavra para alimentar a sua vida. E também a ovelha não depender só do pastor para equilibrar, estabelecer, qualificar a sua vida espiritual. É voltar ao primeiro amor. Todo mundo estar unido em prol da igreja”, finaliza.
Sobre a Reforma Protestante
– Em 31 de outubro de 1517, Martinho Lutero teria afixado (ou enviado) as suas “95 Teses” na porta da igreja de Wittenberg (Alemanha). Essa data é tradicionalmente considerada o início da Reforma.
– Os motivos envolviam críticas ao sistema de indulgências da Igreja Católica, à autoridade papal, à necessidade de reforma moral e institucional da Igreja, e ao acesso à Bíblia e à salvação pela fé.
– O movimento se expandiu por vários países europeus (Suíça, Escócia, Inglaterra, França, etc) – por exemplo, João Calvino em Genebra, Ulrico Zwingli em Zurique.
– Resultado: surgimento de várias tradições protestantes (luterana, calvinista, anglicana, anabatista, metodista etc), separação institucional da Igreja Católica em muitos territórios, conflitos religiosos (guerra dos trinta anos, guerras de religião), mudança cultural (leitura da Bíblia em línguas vernáculas, educação, cidadania).
Principais atores
Martinho Lutero (1483-1546) – figura central da Alemanha.
João Calvino (1509-1564) – figura central do movimento reformado em Genebra.
Ulrico Zwingli (1484-1531) – na Suíça.
Outros: Thomas Cranmer na Inglaterra, John Knox na Escócia, etc.
Impactos da Reforma
– A Reforma mudou o panorama religioso europeu: diminuiu o monopólio da Igreja Católica em muitos lugares, incentivou a tradução da Bíblia para línguas locais, estimulou a alfabetização e o pensamento crítico.
– Também levou à fragmentação cristã: surgimento de múltiplas denominações protestantes.
– Em âmbito social/político, teve efeitos na formação de Estados-nação, liberdade de consciência religiosa, etc.
– Inicialmente, as igrejas luteranas comemoravam em várias datas (aniversário de Lutero, morte de Lutero, etc). Mas em 1667, o eleitor de Saxônia determinou 31 de outubro como anual dia da Reforma naquele território.
– Vale observar: embora se use a imagem de “afixar na porta da igreja”, alguns historiadores contestam se realmente foi pregado ou se foi simplesmente enviado para discussão acadêmica.
Os “Cinco Solas” da Reforma Protestante
Os “Cinco Solas” são princípios teológicos centrais da Reforma Protestante que resumem a visão reformada sobre a salvação e a autoridade da fé cristã. Cada “sola” é uma palavra em latim que significa “somente” ou “apenas”, enfatizando a exclusividade de Deus e da Bíblia em certos aspectos. Aqui estão eles:
1. Sola Scriptura – “Somente a Escritura”
A Bíblia é a única autoridade suprema em questões de fé e prática.
Rejeita a ideia de que tradições ou autoridades humanas (como papado ou concílios) tenham autoridade equivalente à Palavra de Deus.
Base: 2 Timóteo 3:16-17 (“Toda a Escritura é inspirada por Deus…”).
2. Sola Fide – “Somente a fé”
A salvação vem somente pela fé em Jesus Cristo, não por obras ou méritos humanos.
Contrasta com a visão de que indulgências ou obras poderiam justificar o ser humano diante de Deus.
Base: Efésios 2:8-9.
3. Sola Gratia – “Somente a graça”
A salvação é um dom gratuito de Deus, não algo que possamos conquistar.
Reforça que a iniciativa da salvação é sempre de Deus, não humana.
Base: Romanos 3:24 (“Justificados gratuitamente pela sua graça…”).
4. Solus Christus – “Somente Cristo”
Cristo é o único mediador entre Deus e os homens.
Negação da necessidade de intermediários humanos (santos, papas) para a salvação.
Base: João 14:6 (“Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim”).
5. Soli Deo Gloria – “Glória somente a Deus”
Todo louvor, adoração e mérito devem ser dirigidos somente a Deus, não a líderes humanos.
A salvação e a vida cristã existem para a glória de Deus, não para a glória pessoal.
Base: 1 Coríntios 10:31 (“Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa, fazei tudo para glória de Deus”).
Folha Gospel – artigo publicado originalmente em Comunhao.com.br







































