Os jogos de azar e apostas online, populares pelas chamadas bets, causam perdas econômicas e sociais ao Brasil, estimadas em R$ 38,8 bilhões anuais. Esse montante abrange danos à sociedade, como suicídios, desemprego, gastos com saúde e afastamento do trabalho. O cálculo é do estudo inédito “A saúde dos brasileiros em jogo”, divulgado em 2 de outubro, que analisa os efeitos da expansão das apostas online no país.
O valor de R$ 38,8 bilhões equivale a 26% do orçamento do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida de 2023 ou a 23% a mais no Bolsa Família de 2024. A pesquisa é uma parceria entre organizações sem fins lucrativos dedicadas à saúde pública, como o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps) e a Umane, e a Frente Parlamentar Mista para Promoção da Saúde Mental (FPSM), que reúne quase 200 parlamentares no Congresso Nacional.
Segundo os pesquisadores, o Brasil registrou 17,7 milhões de apostadores em seis meses, com cerca de 12,8 milhões de pessoas em risco relacionado às apostas, com base em levantamento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Os dados foram projetados com inspiração em um estudo britânico sobre os efeitos dos jogos, e incluem as seguintes perdas econômicas diretas e indiretas:
– R$ 17 bilhões por mortes adicionais devido a suicídios
– R$ 10,4 bilhões por perda de qualidade de vida devido à depressão
– R$ 3 bilhões em tratamentos médicos para depressão
– R$ 2,1 bilhões com seguro-desemprego
– R$ 4,7 bilhões com encarceramento devido a atividades criminosas
– R$ 1,3 bilhão referente à perda de moradia
Cerca de 78,8% (R$ 30,6 bilhões) estão associados a custos com saúde. “Estudos internacionais mostram a relação entre transtornos do jogo e agravamento de quadros de ansiedade, depressão e risco de suicídio”, destaca o estudo, que utilizou estimativas monetárias para medir as perdas de qualidade e duração de vida.
A pesquisa também observa que o crescimento acelerado do setor de apostas online, impulsionado pela tecnologia e pela falta de regulação, está afetando negativamente as famílias, aumentando os transtornos do jogo e intensificando o sofrimento mental.
Retorno insuficiente
Em 2024, os brasileiros gastaram cerca de R$ 240 bilhões com apostas, e os beneficiários do Bolsa Família foram responsáveis por R$ 3 bilhões em apostas via Pix, em agosto de 2024. As apostas foram legalizadas no Brasil em 2018, regulamentadas em 2023 e começaram a pagar mais impostos a partir de 2025. Até setembro de 2024, a arrecadação chegou a R$ 6,8 bilhões, e em outubro superou os R$ 8 bilhões.
Apesar desses números, o contraste entre a arrecadação e o custo anual estimado de R$ 38,8 bilhões revela um desequilíbrio. “A arrecadação, mesmo com a projeção anual de R$ 12 bilhões, não fecha a conta do ponto de vista do interesse público”, observa o estudo.
Atualmente, as apostas são tributadas em 12% sobre a receita bruta, e o Senado analisa o Projeto de Lei 5473/2025, que propõe duplicar essa alíquota para 24%. Além disso, os apostadores pagam 15% de Imposto de Renda sobre os prêmios. No entanto, os autores do estudo criticam o fato de que, de toda a arrecadação, apenas 1% é destinado ao Ministério da Saúde, com o montante repassado até agosto somando apenas R$ 33 milhões.
Redução de danos
Rebeca Freitas, diretora de Relações Institucionais do Ieps, afirma que, sem uma regulação firme, fiscalização rigorosa e responsabilidade das operadoras, os riscos de endividamento, adoecimento e impactos sobre a saúde mental aumentarão, especialmente entre os grupos mais vulneráveis. Ela acredita que as apostas online já fazem parte da vida de milhões de brasileiros e que a proteção à população deve ser a principal preocupação.
“Essa prática está sendo incentivada por um lobby comercial poderoso, à custa da saúde do povo brasileiro”, conclui Rebeca.
CPI das Bets
O impacto das apostas foi tema de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado, que investigou os efeitos das apostas online nas finanças das famílias, suas supostas ligações com o crime organizado e a atuação de influenciadores que promovem essas apostas. No entanto, o relatório final foi rejeitado pelos parlamentares, sendo a primeira vez nos últimos dez anos que uma CPI do Senado teve seu relatório rejeitado.
Sem impacto positivo
Em termos econômicos, o estudo conclui que a atividade das apostas online é “irrisória” no que diz respeito à geração de empregos e renda para os trabalhadores. Com base em dados do Ministério do Trabalho, a pesquisa revelou que o setor representava apenas 1.144 empregos formais. A cada R$ 291 gerados pelas empresas, apenas R$ 1 se converte em salário formal. Além disso, 84% dos trabalhadores do setor não contribuíram para a previdência em 2024, enquanto a média da economia brasileira era de 36%.
Modelo britânico
O relatório A saúde dos brasileiros em jogo também apresentou medidas adotadas no Reino Unido para prevenir, tratar e regular as apostas:
– Autoexclusão: permite que o usuário se bloqueie de todos os sites licenciados por até cinco anos.
– Restrição à publicidade: anúncios podem ser feitos, mas são altamente regulados, não podendo sugerir que o jogo é uma solução para problemas financeiros ou ser direcionados a menores de idade.
– Destinação da arrecadação: 50% dos impostos pagos pelas apostas devem ser destinados ao tratamento de pessoas afetadas.
Sugestões
Dado que a proibição das apostas ainda não está em pauta, o Ieps sugere cinco ações para mitigar os danos no Brasil:
– Aumentar a parcela da taxação destinada à saúde
– Formar profissionais de saúde para acolhimento no SUS
– Proibir propagandas e realizar campanhas de conscientização
– Restringir o acesso de pessoas com perfil de risco e menores de idade
– Implementar regras rigorosas para as operadoras, garantindo retorno financeiro ao país e combatendo a corrupção
Rebeca Freitas ressalta que, caso a legalização das apostas seja irreversível, é necessário mitigar os danos causados e implementar políticas públicas robustas de monitoramento.
Bets contra aumento de imposto
O Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), fundado em 2023 e que representa cerca de 75% do mercado de apostas no Brasil, se posiciona contra o aumento da tributação, alertando que isso pode fortalecer o mercado clandestino.
De acordo com a Agência Brasil, o IBJR afirma que a oferta legal limitada, com tributação excessiva, enfraquece o setor e aumenta o risco de migração para o mercado ilegal, comprometendo tanto a competitividade quanto a arrecadação governamental. Atualmente, mais de 51% das apostas online no Brasil operam de forma clandestina, segundo o IBJR.










































