Na quietude do fim de noite, quando os ruídos diminuem e os pensamentos ficam menos intensos, muitas pessoas relatam experiências vívidas que deixam impressões profundas. São sonhos simbólicos, visões inesperadas ou intuições repentinas. No contexto cristão, essas manifestações suscitam perguntas antigas e sempre atuais: seriam mensagens divinas ou apenas construções do subconsciente?
Ao longo da Bíblia, sonhos e visões aparecem como formas legítimas de comunicação divina. No Antigo Testamento, personagens como Abraão, Jacó, José e Daniel foram orientados por Deus através desses meios. No Novo Testamento, há registros como o de Ananias, que recebeu instruções em uma visão antes de encontrar Paulo (Atos 9), e o do centurião Cornélio, avisado em sonho para procurar o apóstolo Pedro (Atos 10). Esses relatos, no entanto, estão diretamente relacionados ao cumprimento do plano redentor de Deus.
O pastor e teólogo presbiteriano Augustus Nicodemus Lopes enfatiza a necessidade de discernimento entre a experiência subjetiva e a direção válida para a vida cristã. “Não há exemplo na Bíblia, não há promessa na Bíblia, não há nada na Bíblia que nos garanta que Deus está por detrás desse tipo assim, a pessoa tem uma intuição, a pessoa tem uma premonição, uma espécie de visão com relação às coisas futuras”, afirmou.
Segundo Nicodemus, a orientação bíblica para conhecer a vontade de Deus não se baseia em sonhos recorrentes, mas em fundamentos objetivos: “A maneira pela qual o Novo Testamento ensina o cristão quanto à vontade de Deus tem a ver com conhecer os princípios bíblicos, o uso do bom senso, escutar os conselhos e aguardar na providência de Deus”, explicou.
Mesmo quando uma revelação pessoal se mostra precisa — como o relato de uma mulher que sonhou com a morte do marido dias antes do fato —, Nicodemus é categórico ao afirmar que isso não pode se tornar doutrina. “Aplicação pública é dos princípios da palavra de Deus. Aquilo é entre a pessoa e Deus”, disse.
Essa distinção entre o emocional e o espiritual é apontada como essencial para evitar enganos: “Muita coisa é da cabeça da pessoa, muita coisa é dos sentimentos da pessoa e a pessoa precisa ter cuidado porque existem espíritos enganadores”, alertou o pastor.
Ele citou o episódio de Atos 16, no qual uma jovem adivinhadora dizia verdades sobre Paulo e Silas, mas estava sob influência maligna. “Ela dizia que Paulo e Silas eram servos do Deus Altíssimo. Mas mesmo assim, Paulo não se impressionou. Repreendeu o espírito”, relatou.
No ambiente eclesiástico, relatos semelhantes também exigem cuidado. Nicodemus mencionou uma situação em que um homem afirmou ter recebido uma profecia dizendo que Deus tinha outra esposa para ele, embora fosse casado com uma mulher descrente. “Eu disse: ‘Não pode ser do Espírito Santo’. Está escrito em 1 Coríntios 7: se a mulher consente em viver com o irmão, ele não deve deixá-la”, explicou.
Apesar dos alertas, o pastor reconhece que sonhos também podem inspirar ações concretas, quando submetidos à luz das Escrituras. Ele citou o exemplo de William Booth, fundador do Exército da Salvação, que teve visões de pessoas marginalizadas e transformou essas imagens em um movimento de alcance mundial. “Tudo isso porque um homem decidiu não guardar seus sonhos”, comentou.
Diante dessas experiências, a orientação oferecida por Nicodemus é resumida em três verbos: discernir, esperar, obedecer. A recomendação é que o cristão trate os sonhos com sobriedade, sem desprezá-los automaticamente, mas sempre avaliando-os à luz da revelação bíblica.
Para o pastor, a base segura da fé continua sendo uma só: “Nós temos apenas a palavra como sendo a revelação final e última de Deus”, concluiu, de acordo com informações da revista Comunhão.