A 28ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a anulação da doação de um ônibus feita por um fiel à Igreja Universal do Reino de Deus. O veículo era sua única fonte de renda e foi entregue à instituição em 2014, período em que o autor atravessava crise conjugal, financeira e emocional. Anos depois, ele ajuizou ação pedindo a nulidade da doação e obteve decisão favorável em primeira instância. Com o julgamento do colegiado, a sentença foi mantida e a restituição do bem ao autor foi assegurada.
Segundo a perícia, o homem estava em estado de vulnerabilidade psicológica quando participou de uma campanha religiosa que relacionava doações à solução de problemas pessoais. O laudo apontou que, à época dos fatos, o autor não tinha plena capacidade para avaliar adequadamente as consequências do ato de liberalidade. A defesa da Igreja sustentou que a oferta foi espontânea, que a instituição não poderia ser responsabilizada por campanhas religiosas e que a decisão violaria a liberdade de crença. Também argumentou que a doação não comprometeu a subsistência do fiel.
O relator, desembargador Eduardo Gesse, destacou a relevância do “relatório de avaliação psicológica independente”, realizado em 21 de julho de 2015, por profissional habilitado.
No voto, registrou: “Não se pode desconsiderar que o ‘relatório de avaliação psicológica independente’, realizado em 21/07/2015 por psicólogo qualificado, concluiu que o autor era, naquele período, incapaz de realizar um raciocínio adequado à sua realidade”. Para o relator, esse elemento probatório afasta a premissa de plena autodeterminação no momento da entrega do bem.
O colegiado observou que o fato de a perícia ter sido produzida anos após os acontecimentos influenciou a conclusão do perito de que, no momento da avaliação, o autor não apresentava comprometimento cognitivo. Ainda assim, os desembargadores consideraram determinante o laudo contemporâneo aos eventos e o contexto de vulnerabilidade descrito nos autos. Na análise do relator, cabe às instituições religiosas verificar, com cautela, se grandes doações têm potencial de prejudicar a vida do fiel, sem que essa exigência implique violação da liberdade de crença.
Com a decisão, a 28ª Câmara manteve integralmente a sentença de primeiro grau. A doação foi anulada e garantida a devolução do ônibus ao autor da ação. O resultado confirma a proteção da vontade livre e informada em atos de disposição patrimonial quando há indícios de vulnerabilidade psicológica no momento do consentimento, de acordo com informações do Consultor Jurídico.