O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou que o governo brasileiro vai aderir formalmente à ação que acusa Israel de genocídio na guerra na Faixa de Gaza. A declaração foi dada em entrevista à emissora Al Jazeera, durante a Cúpula do Brics. O conteúdo foi transmitido neste domingo, 13 de julho, pela rede de TV com sede em Doha, no Catar.
“Nós vamos [apoiar]. Estamos trabalhando nisso. Vocês terão essa boa notícia muito em breve”, afirmou Vieira. Segundo o chanceler, a decisão do governo Lula (PT) se deu após os últimos desdobramentos do conflito. “Foi feito um grande esforço pela mediação, mas os últimos acontecimentos dessa guerra nos fizeram tomar a decisão de nos juntar à África do Sul na CIJ”, disse.
A África do Sul apresentou a ação contra Israel na Corte Internacional de Justiça (CIJ) em 2023. Na ocasião, o Brasil expressou apenas apoio diplomático, por meio de declarações e notas oficiais. Agora, segundo Vieira, o país deve ingressar como parte no processo, assumindo posição mais ativa.
Feliciano reage
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem adotado uma postura de oposição às operações militares de Israel na Faixa de Gaza. Em diferentes ocasiões, Lula classificou a ofensiva como “genocídio”, “limpeza étnica” e atribuiu ao governo israelense “crimes cometidos pelas Forças de Defesa de Israel”. O apoio à ação sul-africana foi solicitado pela Autoridade Nacional Palestina.
“Não podemos permanecer indiferentes ao genocídio praticado por Israel em Gaza”, declarou Lula, segundo registros oficiais do Palácio do Planalto.
A decisão do governo brasileiro provocou reações internas, especialmente de lideranças religiosas e parlamentares aliados de Israel. O deputado federal Marco Feliciano (PL-SP), ligado à bancada evangélica, criticou a medida.
“Essa denúncia tem um claro viés político, pois omite o verdadeiro motivo da reação de Israel, que apenas retaliou o monstruoso ataque de 7 de outubro de 2023; quando houve o assassinato brutal de crianças, mulheres, idosos e o sequestro de dezenas de pessoas inocentes”, afirmou Feliciano em artigo publicado pelo portal Pleno News.
O pastor também questionou a decisão do governo Lula à luz da história diplomática do Brasil com Israel: “O que causa espanto é a adesão do Brasil a essa denúncia, que foge totalmente de nossas tradições judaico-cristãs e também ao respeito com que somos agraciados pelo povo judeu desde a sessão da ONU em 1948, presidida pelo nosso patrício Oswaldo Aranha que criou o Estado de Israel”.
Em outro trecho, Feliciano sugeriu motivações ideológicas: “Me questiono a quem o governo brasileiro tenta agradar, ao tomar decisões que vão na contramão de todo o mundo livre, fazendo o jogo das ditaduras sanguinárias marxistas ateístas”.
Impactos diplomáticos
Embora a formalização da adesão brasileira ao processo ainda esteja pendente, analistas apontam que a medida tende a agravar a crise diplomática com Israel e seus aliados, incluindo os Estados Unidos. O governo norte-americano tem sido um parceiro direto do Estado de Israel em questões militares e estratégicas.
Desde 2024, a relação entre Brasil e Israel tem se deteriorado de maneira contínua. Em fevereiro daquele ano, Lula foi declarado persona non grata por Israel, após comparar a ação militar em Gaza ao holocausto promovido pela Alemanha nazista. Em resposta, o embaixador brasileiro Frederico Meyer foi convocado para uma repreensão pública em Tel Aviv, o que motivou o governo Lula a retirá-lo do posto.
No âmbito diplomático, o Itamaraty recusou conceder o agrément — aval exigido para novos embaixadores — ao nome proposto por Israel para substituir o atual embaixador Daniel Zonshine, que deve se aposentar. Segundo fontes da chancelaria, o Planalto também vetou politicamente a aquisição de blindados israelenses pelas Forças Armadas brasileiras.
Ainda assim, o governo mantém posições cautelosas quanto a rompimentos definitivos. O argumento, segundo interlocutores do Palácio do Planalto, é o de preservar os interesses econômicos, tecnológicos e consulares, especialmente dos brasileiros com dupla nacionalidade que residem em Israel.
Ação
A CIJ, órgão judicial máximo das Nações Unidas, aceitou o processo apresentado pela África do Sul em dezembro de 2023. Os juízes determinaram que Israel tomasse medidas preventivas para evitar atos de genocídio, incluindo a proibição de ações que causassem “danos físicos ou mentais graves” aos palestinos. A Corte também ordenou a garantia de serviços básicos e ajuda humanitária à população civil de Gaza.
A decisão da CIJ é provisória e ainda não julga o mérito da acusação, que aponta para supostos atos intencionais de extermínio por parte de autoridades e forças militares israelenses. Segundo os juízes, os alertas foram emitidos com base no artigo II da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, de 1948.
Israel, por sua vez, contesta todas as acusações e afirma que atua em legítima defesa contra o grupo Hamas, responsável pelo ataque de 7 de outubro de 2023, que resultou na morte de cerca de 1.200 pessoas e no sequestro de mais de 200 civis, segundo dados oficiais israelenses.
Além da África do Sul, outros países já ingressaram no processo na condição de terceiros intervenientes, como Colômbia, México, Espanha, Irlanda, Turquia, Chile, Líbia, Maldivas, Bolívia, Cuba, Palestina e Belize. A Nicarágua chegou a participar, mas retirou seu pedido em abril de 2024.
Próximos passos
A formalização da entrada do Brasil como parte no processo deve ocorrer por meio de manifestação escrita à Corte, acompanhada de exposição legal com argumentos e fundamentos que justifiquem a adesão. Não há, até o momento, prazo definido para a submissão.
O Itamaraty e o Palácio do Planalto não se pronunciaram oficialmente sobre a data prevista para o envio dos documentos. A expectativa, segundo fontes do Ministério das Relações Exteriores, é de que a adesão brasileira ocorra antes da próxima audiência pública do caso, prevista para o segundo semestre de 2025.
A inclusão do Brasil no processo amplia a pressão internacional sobre Israel e reforça a posição do governo Lula em temas de direitos humanos e política externa multilateral. No entanto, também gera tensões com setores da sociedade brasileira, com a comunidade judaica e com parceiros estratégicos no cenário internacional.