Uma mãe solteira do estado do Maine, nos Estados Unidos, recorreu à Justiça para tentar reverter uma decisão de custódia que a impede de levar a filha de 12 anos à igreja Calvary Chapel, em Portland.
A ordem de instância inferior, emitida em dezembro de 2024, também restringe o acesso da menina a atividades religiosas ligadas à denominação, após o tribunal aceitar a alegação feita pelo pai de que se trata de uma “seita”, segundo a argumentação apresentada no processo.
A mãe, Emily Bickford, é representada pelo Liberty Counsel, organização jurídica cristã que levou o caso à Suprema Corte Judicial do Maine. Em comunicado divulgado ao The Christian Post, o fundador e presidente do grupo, Mat Staver, afirmou que, na visão da entidade, a decisão viola garantias constitucionais. “A Calvary Chapel não é uma seita. Esta ordem judicial que proíbe Emily Bickford de levar seu filho a uma igreja cristã por causa de seus ensinamentos bíblicos viola a Primeira Emenda”.
Staver também declarou que, na avaliação do Liberty Counsel, o alcance da decisão é amplo. “O alcance desta ordem judicial é impressionante, pois proíbe até mesmo o contato com a Bíblia, literatura religiosa ou filosofia religiosa”. Para ele, as medidas representam “uma séria ameaça à liberdade religiosa”.
A Suprema Corte do Maine ouviu os argumentos orais do caso em 13 de novembro. No recurso, os advogados de Bickford sustentam que a decisão do tribunal distrital violou direitos protegidos pela Primeira e Décima Quarta Emendas da Constituição dos EUA. “O tribunal distrital alegou que ‘não estava tomando posição sobre nenhum princípio religioso’. Bobagem”, diz o documento apresentado pelo Liberty Counsel.
Segundo a argumentação da defesa, o tribunal de primeira instância teria classificado as crenças de Bickford como “sectárias” e psicologicamente prejudiciais, usando essa avaliação para limitar o direito da mãe de orientar a educação religiosa da filha. A ordem concedeu ao pai, Matthew Bradeen, “o direito e a responsabilidade de tomar decisões sobre se [a menor] participa de quaisquer cultos, reuniões ou eventos associados à Calvary Chapel”.
A decisão também determina que ambos os pais pesquisem e discutam sobre a igreja e se a participação da criança é ou não de seu interesse. No entanto, o texto registra que, “tendo em conta o histórico da Sra. Bickford de abdicar da sua autonomia de decisão em favor da Calvary Chapel, o Sr. Bradeen tem o direito de tomar as decisões finais relativamente à participação da [criança menor] em outras igrejas e organizações religiosas, em caso de litígio entre as partes”.
De acordo com o recurso, Bickford começou a frequentar a Calvary Chapel em maio de 2021. Bradeen afirmou ter se preocupado, após pesquisar a igreja, com ensinamentos como a afirmação de que “as pessoas só podem ser salvas encontrando Deus nos termos de Deus”. Ele também se opôs ao fato de a congregação ensinar a Bíblia “versículo por versículo, capítulo por capítulo”, incluindo referências à condenação eterna, anjos caídos, demônios e relatos de guerras bíblicas.
Como parte da instrução do caso, Bradeen contratou a socióloga Janja Lalich, da Califórnia, para prestar depoimento como especialista em dinâmicas de grupos considerados sectários, segundo o Liberty Counsel. O tribunal distrital registrou, com base nesse testemunho, que Lalich avaliou a Calvary Chapel como “um excelente exemplo de um sistema social fechado” que seguiria o chamado “modelo de Moisés”, onde pastores teriam autoridade incontestável e pouca ou nenhuma prestação de contas a fiéis ou instâncias superiores.
Ainda de acordo com o parecer do Liberty Counsel, o tribunal de primeira instância concluiu que os sermões na Calvary Chapel continham “retórica odiosa”, com elementos de homofobia, rejeição à ciência e críticas às escolas públicas.
A Calvary Chapel é uma rede de centenas de igrejas evangélicas carismáticas autônomas, com origem na Calvary Chapel Costa Mesa, liderada por Chuck Smith na Califórnia, a partir da década de 1960. O movimento ligado à denominação teve papel de destaque no chamado “Movimento de Jesus” dos anos 60 e 70, tema do filme “Jesus Revolution”, lançado em 2023.
O tribunal distrital também considerou que a frequência da filha à Calvary Chapel teria impacto negativo sobre sua saúde emocional. Como exemplo, a decisão menciona um culto no qual o pastor orou publicamente pela disputa de guarda, na presença de Bickford e da menina.
Além de atribuir a Bradeen a decisão final sobre a participação da filha em igrejas e organizações religiosas, a ordem judicial também lhe conferiu autoridade principal sobre a condução de cuidados médicos da menor. O tribunal indicou que, em sua avaliação, as crenças religiosas de Bickford tornariam “improvável” a busca por tratamento de saúde mental ou outros cuidados médicos.
No recurso, o Liberty Counsel afirma que a decisão não apresentou provas de que as convicções religiosas de Bickford tenham determinado escolhas em relação à saúde da filha, e aponta inconsistências entre essa avaliação e outros trechos da sentença.
Segundo o News Center Maine, Bradeen pediu a modificação da guarda depois de relatar que a filha teria começado a ter crises de pânico após frequentar a Calvary Chapel em Portland. O pai declarou ainda que a menina passou a espalhar bilhetes pela casa com a frase “o arrebatamento está chegando” e demonstrar preocupação com o destino eterno de familiares que não frequentam a mesma igreja.
A Suprema Corte do Maine deve decidir sobre o caso após analisar os argumentos escritos e orais apresentados pelas partes, sem prazo divulgado até o momento para a publicação do veredito.









































