No sábado, 30 de agosto, uma vendedora de alimentos identificada apenas como Ammaye foi morta por uma multidão no norte da Nigéria sob acusação de blasfêmia contra o Profeta Maomé. O episódio ocorreu após uma conversa com um sobrinho, que, em tom de brincadeira, sugeriu casamento. A resposta da mulher não foi considerada clara, mas os presentes julgaram-na ofensiva o suficiente para justificar o ataque. Fontes locais informaram que, embora líderes distritais tentassem entregá-la à polícia, a multidão a apedrejou e incendiou antes da chegada de reforços policiais.
A polícia confirmou a morte, relatando que Ammaye foi “incendiada antes do reforço das equipes de segurança”. Autoridades locais declararam que a calma foi restabelecida, mas a ativista de direitos humanos Aisha Yesufu criticou a resposta oficial. Segundo ela, “não se pode minimizar a perda de uma vida com notas vagas de tranquilidade”. A Anistia Internacional também condenou o crime e pediu investigação imediata e transparente.
Em comunicado na rede X, a entidade afirmou: “O linchamento de Ammaye após uma discussão com um jovem é deplorável, e as autoridades devem garantir que os responsáveis por sua morte sejam imediatamente presos e levados à justiça”.
Casos como esse não são isolados na região. Acusações de blasfêmia frequentemente resultam em violência popular, especialmente nos 12 estados do norte que aplicam a sharia em paralelo à lei secular. Relatório da Anistia Internacional de 2024 apontou que pelo menos 91 pessoas foram vítimas de ações coletivas entre 2017 e 2024, a maioria pertencente a minorias religiosas. A prática atinge, sobretudo, cristãos, que enfrentam ataques, destruição de propriedades e deslocamentos forçados.
O assassinato de Ammaye remete a outros episódios semelhantes. Em maio de 2022, Deborah Emmanuel Yakubu, estudante cristã em Sokoto, foi apedrejada e queimada por colegas após ser acusada de blasfêmia em um grupo de WhatsApp. No mesmo ano, a agente de saúde Rhoda Jatau foi detida por mais de 18 meses sem julgamento após criticar a morte de Deborah.
Em janeiro de 2024, o professor cristão hauçá Sadiq Mani Abubakar relatou ter sua casa e veículos incendiados em função de uma publicação antiga no Facebook. Outros casos anteriores incluem o linchamento e decapitação de Gideon Akaluka em 1994, em Kano, e a morte de comerciantes cristãos queimados vivos em 2016 no estado de Níger.
Muçulmanos também já foram vítimas de ataques semelhantes, como Usman Buda em Sokoto, em 2023, e um homem de 50 anos morto em Kano em 2008. A Constituição da Nigéria garante liberdade religiosa e de expressão, mas a aplicação da sharia em estados do norte gera um sistema jurídico paralelo que entra em conflito com esses direitos. Segundo a International Christian Concern, autoridades policiais frequentemente “hesitam em intervir em casos de violência coletiva, seja por medo de repercussões negativas ou por falta de vontade política”, o que favorece a “cultura de impunidade”.
Em abril de 2024, o Tribunal de Justiça da Comunidade da CEDEAO emitiu decisão considerada histórica, declarando que disposições sobre blasfêmia presentes no Código Penal do Estado de Kano e na Lei do Código Penal da Sharia de 2000 são incompatíveis com normas internacionais de direitos humanos.
De acordo com informações do portal Christian Daily, o tribunal determinou que a Nigéria revise ou revogue tais leis, de forma a se alinhar às suas obrigações internacionais.
Niger State: Killing Over Alleged Blasphemy
The Nigerian authorities must immediately and transparently investigate the killing of a female food vendor named Ammaye by a mob at Kasuwan Garba village in Mariga LGA of Niger state over alleged blasphemy.
The incident which took… pic.twitter.com/Z9C1P9yrms
— Amnesty International Nigeria (@AmnestyNigeria) August 30, 2025