Fiscalização federal no Amazonas busca frear a exploração ilegal, mas moradores vivem dilema entre economia e preservação ambiental.
O fogo que consome uma draga no meio do rio Madeira não é apenas a destruição de uma máquina. É também o retrato de um conflito que atravessa gerações na Amazônia: de um lado, a luta pela sobrevivência de comunidades ribeirinhas e indígenas; do outro, a ação implacável de quem insiste em explorar ilegalmente a floresta em troca do ouro escondido sob as águas.
Nesta segunda-feira (15), a Polícia Federal (PF) e o Ibama intensificaram a fiscalização no sul do Amazonas, destruindo balsas e dragas usadas no garimpo ilegal em Humaitá e Manicoré. As imagens, que circularam nas redes sociais, mostram embarcações em chamas à beira das cidades, aumentando a tensão entre moradores que convivem diariamente com a presença do garimpo.
Um combate que desafia o crime organizado
A operação faz parte de um esforço que se estende de Porto Velho até o sul do Amazonas para enfraquecer redes criminosas que lucram com a extração clandestina de minérios. Quando não há condições de remoção segura, a legislação permite a destruição imediata das dragas, medida que gera polêmica mas é considerada essencial pelos órgãos de fiscalização.
De acordo com as normas do Ibama e da Agência Nacional de Mineração (ANM), a atividade é ilegal quando realizada sem autorização, especialmente em áreas sensíveis, como terras indígenas, unidades de conservação e leitos de rios federais. Além dos danos ambientais, o garimpo envolve crimes como contaminação por mercúrio, usurpação de patrimônio da União e pode levar a penas de até 12 anos de prisão.
Impacto direto nas comunidades locais
Moradores de Humaitá e Manicoré relatam viver um clima de incerteza. Para muitos, o garimpo representa uma fonte de renda rápida; para outros, ele destrói o sustento da pesca e ameaça a saúde coletiva. “As dragas poluem o rio e afetam a pesca, que é nossa principal fonte de renda”, disse um morador de Manicoré, que preferiu não se identificar.
A presença ostensiva da PF nesta semana buscou evitar confrontos, algo que nem sempre foi possível em operações anteriores. Em 2024, por exemplo, ações semelhantes resultaram em protestos violentos, com ataques a policiais e prédios públicos. Em agosto daquele ano, cerca de 459 dragas foram destruídas em uma única ofensiva, causando revolta entre garimpeiros e apoiadores locais.
Histórico de resistência e violência
Os episódios de resistência se repetiram ao longo de 2024, incluindo bloqueios de rodovias e ameaças contra agentes federais. Em Humaitá, a tensão chegou ao ponto de autoridades descreverem a cidade como “um verdadeiro terror”. Já em 2025, monitoramentos do Greenpeace mostraram que, mesmo após tantas operações, pelo menos 130 balsas continuavam ativas entre Novo Aripuanã e Humaitá.
Segundo o Ibama, o prejuízo imposto ao crime organizado já ultrapassa R$ 491 milhões, mas a persistência do garimpo revela a complexidade de enfrentar um problema que mistura poder econômico, vulnerabilidade social e interesses ilegais profundamente enraizados.
Entre a repressão e a esperança
Autoridades reforçam que a destruição de dragas não é apenas uma ação punitiva, mas uma tentativa de salvar vidas e garantir futuro para as comunidades. “Enfrentar o garimpo ilegal é salvar vidas”, declarou recentemente o diretor-geral da PF, Humberto Freire.
Ainda assim, a Defensoria Pública do Amazonas pediu ao STJ e ao TRF1 a suspensão do uso de explosivos em operações, alegando que a medida atinge também ribeirinhos que vivem às margens dos rios. O debate segue aberto entre repressão, direitos humanos e a necessidade urgente de preservar a Amazônia.
O rio Madeira segue correndo, carregando nas suas águas não apenas sedimentos, mas também as marcas de um embate que parece interminável. Entre o brilho do ouro e o silêncio das águas contaminadas, está a vida de milhares de pessoas que dependem desse território. A grande pergunta que fica é: quanto ainda teremos que perder para compreender que proteger a floresta é, acima de tudo, proteger a nós mesmos?
Texto: Daniela Castelo Branco
Foto: Divulgação/Painel Político