Desde a posse de Donald Trump em 20 de janeiro de 2025, a comunidade brasileira sem documentação nos Estados Unidos vive um clima de medo e insegurança. A promessa do ex-presidente de intensificar as deportações se concretizou, atingindo até mesmo espaços antes considerados seguros, como igrejas evangélicas frequentadas por imigrantes.
Mais de 4,5 mil imigrantes irregulares ou que cometeram algum delito foram detidos pelos agentes do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE) com o objetivo de deportá-los em cumprimento à legislação. O órgão passou a ter autorização para realizar batidas em templos religiosos, escolas e clínicas médicas, revogando proteções que garantiam segurança a imigrantes nesses locais.
Uma reportagem da BBC News Brasil, assinada pelos jornalistas Vitor Tavares e Mariana Sanches, revelou que igrejas evangélicas nos EUA, muitas delas alinhadas ao bolsonarismo e que antes apoiavam a reeleição de Trump, agora sofrem com a evasão de fiéis temerosos das novas políticas.
O cenário nos cultos já mudou significativamente, como relatou Fernanda, uma estudante brasileira que vive no país. Segundo ela, os templos estão cada vez mais vazios porque os imigrantes têm medo até de frequentar a igreja.
A situação representa um dilema para pastores brasileiros nos EUA, que antes promoviam a candidatura de Trump reforçando discursos nacionalistas e conservadores, mas agora precisam lidar com os impactos diretos sobre seus fiéis.
Um pastor brasileiro que atua em Orlando afirmou, sob anonimato, que sua igreja tem adotado uma postura de cautela e evitado oferecer auxílio jurídico a membros sem documentação, além de não incentivar novas imigrações irregulares. Para ele, o cenário é preocupante, pois muitos dos que estão sendo afetados não são criminosos ou delinquentes, mas apenas pessoas buscando melhores condições de vida.
“Lógico que causa pânico nas pessoas, grande parte imigrante sem documento, que não são criminosos nem delinquentes”, afirmou.
Apesar disso, ele evitou críticas diretas ao governo Trump, demonstrando a dificuldade dessas igrejas em conciliar sua base eleitoral com a realidade enfrentada pelos imigrantes.
O endurecimento das políticas migratórias tem gerado um efeito psicológico devastador na comunidade brasileira nos Estados Unidos. Grupos de WhatsApp são inundados com mensagens de alerta sobre supostas operações do ICE, muitas vezes sem confirmação.
O influenciador Junior Pena, que mora no país há 15 anos e acumula mais de um milhão de seguidores no TikTok, descreveu os primeiros dias de Trump como “100 dias de puro terror”. Segundo ele, muitos brasileiros já manifestam o desejo de retornar ao Brasil, temendo as deportações em massa prometidas pelo presidente.
“A gente tem ouvido falar que Trump vai mostrar a força que tem e fazer o que prometeu, que é a deportação”, disse Pena.
Mesmo aqueles com status migratório regular passaram a adotar medidas preventivas. Um advogado especializado em imigração relatou que tem orientado seus clientes a evitarem locais onde há grande concentração de imigrantes, como supermercados brasileiros e festas comunitárias, por medo de eventuais fiscalizações.
Enquanto isso, o ex-presidente Jair Bolsonaro manifestou apoio às políticas migratórias de Trump. Em entrevista à CNN Brasil, ele afirmou que o republicano está “fazendo a coisa certa” ao intensificar a repressão contra imigrantes ilegais. “No lugar dele, eu faria a mesma coisa”, declarou Bolsonaro.
Marido de cantora gospel da Lagoinha detido pela imigração
O casal Lucas e Suyanne Amaral, membros da Igreja Lagoinha, enfrenta um momento delicado após a prisão de Lucas pelo Departamento de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos (ICE). Ele foi detido durante uma blitz migratória realizada entre a Rota 20 e a Main Street, em Marlboro, Massachusetts, devido à sua permanência irregular no país.
A prisão ocorreu enquanto Lucas seguia para o trabalho. A esposa, Suyanne Boechat Amaral, relatou ao influenciador Beto, do perfil “Classificados de Marlboro”, que a abordagem foi aleatória, e os agentes identificaram que ele havia excedido o tempo permitido pelo visto de turista. Sem antecedentes criminais, Lucas trabalhava como pintor e era o principal provedor da família.
Grávida de um mês e meio e mãe de uma criança de três anos, Suyanne declarou que está apreensiva com o futuro financeiro da família. O casal participa ativamente dos cultos da Igreja Lagoinha de Leominster, onde ela atua como cantora gospel e Lucas como tecladista.
O que dizem os pastores brasileiros sobre o impacto da política imigratória nos EUA
De acordo com o pastor Julliano Socio, líder da Christian Community Church em Fairfield, Connecticut, existe uma grande incerteza sobre a questão, pois circula muita desinformação. As mídias divulgam informações contraditórias, enquanto o governo apresenta dados diferentes.
“Ainda não há uma opinião clara ou uma informação consolidada sobre quem, de fato, são os alvos dessa operação do governo”, afirma Julliano. Além disso, há um clima de tensão nas redes sociais, especialmente no WhatsApp, onde vídeos são compartilhados sem verificação da veracidade, gerando pânico entre as pessoas.
O pastor observa que o novo presidente está apenas fazendo cumprir leis já existentes, sem ter aprovado novas medidas. “O que mudou foi a ênfase na aplicação da legislação. Sob o governo Biden, a abordagem era diferente; agora, Trump adota outra postura”, explica.
Em relação à frequência nos cultos, Julliano salienta que houve uma queda no número de participantes no último domingo, mas ainda é cedo para afirmar se isso resultará em um esvaziamento da igreja. “Essa situação não está relacionada diretamente à igreja, mas acredito que as pessoas estão desmotivadas a sair de casa por causa do medo.”
Ele destaca que todos os imigrantes sem documentação se sentem ameaçados. Por isso, “a igreja precisa informar seus membros sobre o que está acontecendo, detalhar as ações do governo e, acima de tudo, oferecer consolo, esperança e oração para as pessoas”, acrescenta o pastor Julliano, ressaltando que a situação está gerando crises de ansiedade e pânico. “A função da igreja é sempre cuidar da alma das pessoas e pregar o Evangelho.”
Arrependimento e conserto
Líder da Igreja Presbiteriana da América, em Newark, Nova Jersey, o pastor Renato Bernardes compartilha que promoveu uma reunião para orientar e informar os membros da igreja. Segundo ele, de 350 congregados apenas 50 está de forma legalizada no país. Mesmo assim, a presença nas atividades congregacionais não diminuiu, pelo menos por enquanto. “Pessoas têm nos procurado em busca de conselhos e instruções”, pontua. A igreja, inclusive, possui impressos com informações para esclarecer a membresia.
Ele expõe que a maioria ilegal trabalha em subemprego e não tem condições financeiras para custear a documentação. “Estamos orando incessantemente para que o Senhor intervenha e haja mudança radical no processo de imigração, para que a situação dessas pessoas seja regularizada.”
Há 51 anos nos EUA, Bernardes observa que a hostilidade pelos imigrantes irregulares têm relação com o não pagamento de impostos. “Eles utilizam os serviços que o governo oferece sem contribuir. Então, alguém tem que pagar por isso.”
Independente da situação, o pastor acredita que não há motivos para temer. Isto porque a base do cristão precisa estar firmada nas palavras registradas em Salmos 46.1,2: Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente na angústia. Pelo que não temeremos, ainda que se mude a terra, e ainda que se transportem os montes para o meio dos mares. Assim, “se Deus quiser que fiquem, não haverá nada que impeça.”
Em contrapartida, o pastor Renato diz que é a oportunidade para o conserto, a começar pedindo perdão pelos erros de imigração. “É preciso ser e viver como indivíduos exemplares, mesmo estando no país sem documentos”, prega e complementa: “A verdade deve ser dita por essas pessoas, para que encontrem meios para solucionar a questão com confiança e dependência do Senhor.”
Objetivo governamental
O pastor Ney Ladeia, líder da Primeira Igreja Batista Brasileira da Flórida, em Pompano Beach, afirma que não tem conhecimento de nenhum membro da igreja que esteja em situação irregular no país. No entanto, reconhece que nem todos podem estar devidamente documentados. “A igreja sempre orientou as pessoas a buscarem formas legais e éticas para regularizar sua situação imigratória, inclusive recomendando advogados”, explica.
Segundo ele, a ação do governo tem como principal objetivo combater a ação de coiotes, coibir a entrada ilegal no país, especialmente pelas fronteiras, e reduzir o número de imigrantes envolvidos em crimes. “Contudo, após essa ação inicial, é possível que o ritmo dessa fiscalização diminua”, sublinha o pastor, lembrando que, ao longo dos governos, a deportação sempre foi uma prática constante. “É um procedimento padrão. Mesmo que o impacto inicial do novo presidente diminua, a política de imigração continua sendo uma realidade comum no país. Portanto, o risco para os imigrantes ilegais sempre existirá.”
No entanto, o pastor Ladeia destaca que, com o anúncio das novas medidas e a atenção da mídia sobre o tema, muitas pessoas sem documentos se sentem intimidadas e preocupadas, o que acaba sendo um dos objetivos das autoridades. “O governo tem interesse em intimidar, especialmente aqueles que apoiam ou facilitam a ação ilegal”, conclui.
Metodista Livre
A Free Methodist Church USA, em carta aberta, destacou que muitos cristãos enfrentam um novo nível de vulnerabilidade e medo, e que a igreja tem sido uma voz para os crentes estrangeiros que fogem da perseguição religiosa. “Temos muitas igrejas estabelecidas, novas ou em crescimento nos Estados Unidos, formadas por imigrantes que chegaram ao nosso país superando obstáculos incríveis, trazendo consigo o compromisso de servir ao Senhor e construir Seu Reino.”
A denominação ressalta ainda que eles trabalham intensamente por suas famílias e pagam seus impostos. “Lamentamos que carreguem o fardo de generalizações prejudiciais e abrangentes sobre os imigrantes, que os desvalorizam e influenciam injustamente os outros contra eles. Preocupações com invasões e deportações, até mesmo de seus locais de culto, ofuscam o bom trabalho evangelístico que estão fazendo.”
No comunicado, a denominação expressa profunda preocupação com a “dor real” que algumas pessoas na comunidade estão enfrentando. “Neste momento, podemos nos solidarizar e oferecer abrigo e cuidados aos afetados pelas recentes ordens executivas”, pontuou e acrescentou: “Desde o início da aliança de Deus com Seu povo, Ele ordenou que cuidássemos daqueles que vêm até nós, fugindo da fome, da guerra ou da perseguição e caminhando na direção da paz e de um meio de sustentar a si mesmos e suas famílias.”
Entre o medo e a lealdade
As igrejas evangélicas brasileiras nos EUA, que foram aliadas de Trump durante a campanha, agora enfrentam um impasse. Por um lado, precisam lidar com a ausência de fiéis, temerosos de frequentar os cultos. Por outro, hesitam em romper com o apoio ao ex-presidente dos EUA, cujos valores conservadores ainda ressoam entre os líderes religiosos.
Esse dilema reflete um choque entre ideologia e realidade. Enquanto os templos evangélicos defendiam Trump por seu discurso contra pautas progressistas, hoje lidam com o impacto direto de suas políticas imigratórias.
O destino dessas igrejas agora depende de como seus líderes reagirão ao novo cenário. Continuarão fiéis a Trump, mesmo às custas de seus próprios fiéis? Ou reconhecerão que a repressão migratória afeta diretamente aqueles que antes o apoiavam?
Enquanto essa resposta não vem, milhares de imigrantes brasileiros seguem vivendo sob medo, tentando passar despercebidos, evitando locais públicos e modificando suas rotinas. A promessa de Trump de uma repressão ainda maior nos próximos meses mantém a incerteza sobre o futuro da comunidade brasileira nos EUA.
Folha Gospel com informações de Fórum, BBC Brasil, Fuxico Gospel, CNN Brasil e Comunhão