A partida entre os times amadores de futebol feminino Leoas e Fênix, marcada para Campo Grande (MS), foi interrompida antes do início. Ao constatarem que a equipe adversária escalara uma jogadora transexual, as Leoas decidiram não entrar em campo. A técnica Bárbara Augusta Santana comunicou a decisão à organização do torneio.
“Eu disse que não colocaria minhas meninas em risco. Eu respeito as pessoas que não se identificam com seu gênero biológico, mas aquela pessoa continua tendo DNA e formação masculina. É mais rápida, mais forte, poderia machucar com uma bolada, um carrinho”.
Em seguida, acrescentou: “Minha equipe é formada por mães solo, personal trainers, enfermeiras, motoristas de aplicativo, que lutaram muito para conquistar um espaço no futebol feminino. Não podem colocar sua integridade física em risco, nem abrir mão do direito de jogar exclusivamente entre mulheres”.
Em publicação no Instagram, o time Leoas registrou: “Mulheres x Mulheres. Categoria feminina não é mista, nem categoria da diversidade”.
Segundo a técnica, houve pressão da organização para a realização do jogo e reação das atletas do Fênix, mas as jogadoras das Leoas apoiaram a decisão de não disputar a partida. Diante da recusa, o árbitro entrou em campo e declarou derrota por W.O. Após o episódio, Bárbara informou a retirada da equipe da competição: “A organização se comportou de forma desleal, não informou a respeito da presença da atleta trans até o momento da partida”. Ela relatou ainda que o grupo “se sentiu desmoralizado e desprestigiado” e mencionou ataques nas redes sociais e a dispensa de uma atleta que atuava também por outra equipe, “sem explicação”.
O campeonato prosseguiu, e outras equipes disputaram partidas contra o Fênix, aceitando a participação da atleta trans. Em nota oficial, o Fênix afirmou: “Essa atleta, assim como todas nós, busca no futebol, um espaço de convivência, lazer e reconhecimento. Reafirmamos nosso compromisso com a inclusão, o respeito e a diversidade. O esporte é para todas. Transfobia não é opinião: é violência”.
No dia seguinte, 7 de setembro, as Leoas participaram de outro torneio amador e conquistaram o bicampeonato. “Revertemos a situação da véspera com uma vitória que nos deu o bicampeonato em um campeonato diferente. E, com o passar do tempo, começamos a perceber que quem nos atacava era uma minoria, e que a maior parte das pessoas concorda com nossa decisão”, disse a técnica.
O organizador do evento, Tony Gol, que promove torneios femininos há sete anos, atribuiu o conflito à ausência de regras específicas. “Concordamos com a decisão das Leoas de não jogar, mas também entendemos o lado da Fênix. Fiquei no meio de um fogo cruzado”. Diante da polêmica, ele considerou suspender os torneios femininos no próximo ano para evitar novos episódios.
A diretora da Associação de Mulheres, Mães e Trabalhadoras do Brasil (Matria), Celina Luci Lazzari, lamentou a saída das Leoas do campeonato: “As Leoas tiveram que abandonar um campeonato para o qual haviam se inscrito. São mulheres, mães, trabalhadoras que se dedicam ao esporte por amor e que se planejaram para esse momento”.
Em manifestação recente, a entidade posicionou-se contra a participação de pessoas trans em categorias femininas. “Quando atletas do sexo masculino entram nas categorias femininas, não há inclusão, há exclusão: mulheres perdem espaço, bolsas, medalhas e até sua integridade física”. Segundo Celina, “a ciência é clara: tratamentos hormonais não eliminam as vantagens fisiológicas masculinas, densidade óssea, força, massa muscular, envergadura, capacidade pulmonar. Essas diferenças permanecem mesmo após anos de hormonioterapia”.
A técnica Bárbara, 44 anos, policial federal, defendeu a criação de categorias específicas: “No mesmo dia do incidente, foi realizado um amistoso entre duas equipes trans. Isso é inclusão de verdade! E não retira o espaço que nós mulheres lutamos tanto para conquistar”.
Em 23 de setembro, a Câmara Municipal de Campo Grande aprovou, em regime de urgência, o Projeto de Lei nº 11.526/25, que estabelece o sexo biológico como único critério para definição do gênero de atletas em competições esportivas oficiais no município. A proposta, de autoria dos vereadores Rafael Tavares e André Salineiro (PL), foi aprovada por 19 votos a 6 e aguarda sanção da prefeita Adriane Lopes (PP).
O texto dispõe: “O sexo biológico será o único critério definidor do gênero dos competidores em competições esportivas oficiais realizadas no âmbito do Município de Campo Grande/MS, vedando-se a participação de transexuais em equipes que correspondam ao sexo oposto ao de nascimento”.