Dois jovens cristãos foram absolvidos em 09 de julho por um tribunal de Lahore, no Paquistão, após quase dois anos respondendo a uma acusação de blasfêmia considerada falsa pela defesa. O caso teve início em 18 de maio de 2023, após uma disputa local no bairro de Qurban Lines, e gerou tensão entre comunidades religiosas da região.
Adil Babar e Simon Nadeem tinham, respectivamente, 18 e 14 anos na época da acusação. Ambos foram presos sob as rígidas leis de blasfêmia do país e enfrentaram inicialmente acusações nas Seções 295-C e 298-A do Código Penal do Paquistão, que preveem penas severas, incluindo prisão perpétua e até a pena de morte obrigatória.
Segundo o advogado da Suprema Corte, Naseeb Anjum, as acusações foram reavaliadas. “Contestamos a inclusão das duas seções em nossos pedidos de fiança no tribunal de sessões de Lahore”, disse Anjum ao Christian Daily International – Morning Star News. “O juiz admitiu que a acusação não justificava a invocação das Seções 295-C e 298-A e ordenou que a polícia alterasse a acusação para a Seção 295-A”.
Essa seção trata de atos considerados deliberados e maliciosos com a intenção de ofender sentimentos religiosos e pode resultar em até 10 anos de prisão. Após a revisão da acusação, o juiz concedeu fiança a Adil Babar, enquanto Simon Nadeem foi liberado posteriormente por ordem do Tribunal Superior de Lahore.
O julgamento seguiu sob a Seção 295-A e durou quase dois anos. A defesa argumentou que, de acordo com a Seção 196 do Código de Processo Penal, o tribunal não poderia dar prosseguimento ao caso sem autorização do governo federal ou provincial. O argumento foi aceito, resultando na absolvição dos jovens.
“A falsa acusação de blasfêmia contra os dois meninos causou tensão religiosa no bairro de Qurban Lines, e suas famílias foram forçadas a se mudar para outras áreas devido a preocupações com a segurança”, relatou o advogado. Ele acrescentou: “Há uma necessidade urgente de reformas processuais em casos de blasfêmia para proteger as vítimas, a maioria das quais é declarada inocente após anos de processos judiciais e prisão”.
Origem da acusação
De acordo com a defesa, o caso teve origem em uma discussão trivial. No dia 18 de maio de 2023, Adil Babar e Simon Nadeem estavam brincando em frente à casa de Babar quando foram abordados por Zahid Sohail, que alegou que os jovens haviam insultado o profeta Maomé.
O pai de Adil, Babar Sandhu Masih, afirmou que Sohail teria começado a agredir Simon e, ao ser interrompido por Adil, agrediu também o segundo jovem. Testemunhas da vizinhança disseram que Sohail não apresentou provas diante dos líderes locais.
Horas depois, policiais da delegacia de Race Course invadiram a casa de Masih e prenderam os dois jovens. Conforme o First Information Report (FIR), Simon teria dado o nome de “Muhammad Ali” a um filhote de cachorro, o que teria provocado as acusações.
Masih questionou a veracidade da alegação. “Ninguém na nossa rua tem cachorro, e também não havia um filhote na rua quando esse incidente ocorreu”, afirmou. “Sohail inventou uma acusação falsa contra nossas crianças depois de não conseguir convencer os moradores sobre sua alegação anterior”.
Contexto mais amplo
No Paquistão, as acusações de blasfêmia são frequentemente utilizadas como vingança ou sabotagem em disputas pessoais ou com motivação religiosa. A legislação sobre o tema é severa, e, segundo especialistas, carece de salvaguardas contra abusos.
De acordo com o relatório anual de 2024 do Center for Social Justice, houve um recorde de 344 novos casos de blasfêmia naquele ano. Entre os acusados, 70% eram muçulmanos, 6% cristãos, 9% hindus e 14% pertencentes à minoria ahmadi. O relatório destaca que ao menos 2.793 pessoas foram acusadas de blasfêmia entre 1987 e 2024, sendo que 104 delas foram mortas extrajudicialmente após alegações não comprovadas.
“O uso flagrante das leis de blasfêmia como arma continuou a permitir perseguição, intolerância religiosa e violações generalizadas dos direitos humanos”, afirma o relatório, de acordo com informações do The Christian Post.
O Paquistão é um país de maioria muçulmana, com mais de 96% da população seguindo o islamismo. Na Lista Mundial de Observação 2025 da organização Portas Abertas, o país figura em 8º lugar entre os locais mais difíceis para ser cristão.