Enquanto lideranças cristãs nos Estados Unidos têm chamado atenção para a perseguição religiosa na Nigéria, uma declaração recente de Nicolás Maduro passou praticamente despercebida por esse mesmo grupo. Na semana passada, o presidente venezuelano afirmou que Jesus é “dono e senhor” da Venezuela, além de declarar que o palácio presidencial se tornará “um altar para glorificar a Deus”.
A ausência de reação levantou questionamentos sobre o motivo de os evangélicos norte-americanos terem evitado comentar os gestos do líder socialista, que enfrenta crescente pressão internacional.
Crescimento evangélico na Venezuela
Dados recentes mostram que o crescimento das igrejas evangélicas na Venezuela foi muito mais rápido do que no Brasil. Enquanto os evangélicos brasileiros levaram cinco décadas para chegar de 6% a 26,9% da população, o país vizinho saltou de 2,1% em 2010 para 30,9% em pouco mais de uma década.
Analistas destacam que o avanço está diretamente ligado a decisões políticas. Quando Hugo Chávez assumiu o governo, em 1999, líderes pentecostais passaram a receber espaço e benefícios antes exclusivos da Igreja Católica, incluindo influência no ensino religioso das escolas públicas.
O governo adotou uma estratégia clara: aproximar-se das igrejas pentecostais e manter maior distância das denominações historicamente mais críticas, como os batistas.
Movimento aliado ao chavismo cresce e reúne 17 mil igrejas
Desde 2017, o Movimento Cristão Evangélico pela Venezuela (Mocev) atua como elo entre o chavismo e líderes pentecostais. O grupo afirma reunir atualmente 17 mil igrejas, além de cerca de 5 mil pastores associados em todos os estados venezuelanos.
Nos últimos anos, Maduro ampliou incentivos ao segmento. Entre os programas criados, estão:
- Minha Igreja Bem Equipada, que financia reformas e estrutura para templos;
- Bônus do Bom Pastor, que transfere recursos diretamente a líderes religiosos;
- Redução de impostos para organizações religiosas;
- Instituição do Dia do Pastor, celebrado em 15 de janeiro.
Denominações internacionais, como a brasileira Igreja Universal do Reino de Deus, também apoiam iniciativas ligadas ao governo venezuelano.
Acenos religiosos em meio à tensão com os EUA
Em meio à presença recente de navios americanos próximos ao território venezuelano, Maduro intensificou discursos voltados ao público cristão, inclusive nos Estados Unidos. No início do mês, pediu que “os cristãos dos Estados Unidos” o ajudassem a “carreguemos a bandeira da paz, da harmonia, do perdão e da grande misericórdia do Senhor”.
Apesar dos apelos, a relação segue tensa. No sábado (29), Donald Trump alertou companhias aéreas de que o espaço aéreo venezuelano estava fechado, indicando que a escalada diplomática continua.
Laboratório político para a esquerda latino-americana
A Venezuela tem sido observada como um caso de aproximação inédita entre um governo de esquerda e o pentecostalismo, algo que contrasta com o distanciamento tradicional desse segmento em países como Chile, Argentina e Brasil.
Especialistas avaliam que o pentecostalismo, por muito tempo considerado um “primo pobre” no campo religioso, abriu novas possibilidades para movimentos de esquerda que buscam alianças fora das estruturas tradicionais da Igreja Católica — especialmente setores que evitam debates mais acalorados sobre costumes.
O grande ponto de interrogação é o futuro: se outros governos progressistas da região buscarão estratégias semelhantes ou manterão distância das igrejas e da crescente influência evangélica.
Folha Gospel – baseado no texto “Maduro entrega Venezuela a Jesus diante de ameaça dos EUA” da coluna de Juliano Spyer, da Folha de S.Paulo.











































